Wednesday, July 18, 2007

Frango Xadrez




Sumeba miyako
Literalmente: Em se morando, capital.
Sentido: Independente do lugar que se more, você virá a amá-lo.
(provérbio japones)




Dou início a minha quarta-feira com o ritual das minhas "cotidianices" , óculos escuro, guarda-chuva, livro e vou. Vou atravessar a cidade de ponta a ponta nessa aventura multifacetada até o escritório.

Dado talvez pelas minhas "cotidianices" itinerantes sempre a me levar a tantos e tão diferentes lugares , ou quiçá pelo ato de encapada estar - guarda-chuva , óculos escuro- e assim me afastar, o fato é que nesta manhã, houve diferente dispertar.


Deixo as estepes da Mongólia , cenário deste livro que devoro, passo por Beijing - o ponto de encontro onde tudo culminou- chegando até EUA.


A prosa iniciada pelo chinês ao meu lado, é motivada por sua curiosidade em relação ao idioma do meu livro. Explico que é português.
E a partir daí, deu-se o "big bang", a explosão das muitas partículas de vidas simples que se converteram em espécies multi-celulares.


Em miúdos, escuto deste senhorzinho chinês de meia idade morador dos EUA há mais de oito anos, as vantagens que a terra do Tio Sam oferecem. Um relato bastante lúcido sobre direitos humanos, propriedade privada, leis laborais , férias pagas e os benefícios que ele desfruta acolá, que ainda transitam numa órbita bem distante por aqui.

Sua convicção pró-América do Norte é tamanha que me sinto instigada a vasculhar por sinais de nacionalismo chinês, orgulho da mãe pátria, ou saudades.
Encontro somente resquícios de saudades que ele revela ter. E saudades é algo que eu entendo bem!
Na expectativa de classificar ou no fundo me socializar com este alguém dotado de universo paralelo singular, reforço o que há tempos já havia registrado nos meus registros empíricos classificatórios. As saudades chinesas concentradas na comida. É tudo o que sempre computo. A comida!


Me vem à tona, experiência pueril das feiras de ciências do colégio. Numa das edições fomos incumbidas de apresentar o sistema gustativo. Desvendar as células epiteliais, sensoriais, os receptores. Me lembro bem, das áreas gustativas da língua, responsáveis cada qual pela percepcção dos diferentes sabores em determinados lugares da língua.


Me ocorre agora que um dos motivos pelo qual os chineses estão fortemente ligados à comida, possa ter alguma relação com a estimulação simultânea dos receptores gustativos.

E me explico: neste cardápio comum que oferece numa única refeição pratos agridoce, picante e salgado nesta festa ultra-censorial para qualquer língua, ativando os sentidos mais básicos responsável pela sensação única atrelada à comida.

Sigo até o escritório com sensação de certa superioridade, afinal minha saudade é deveras muito mais complexa e engloba zilhões de outros componentes que o senhorzinho sequer cogitou em mencionar, ou inclui-las em sua lista particular.

A questão me acompanha até aqui, e não contente faço o paralelo de elementos que eu sinto imensas saudades, e dos elementos que eu irei igualmente sentir saudades quando no Brasil estiver.
A relação poderia se converter num tratado, mas basicamente também eu concluo que sim, a comida deixará uma lacuna grande de saudade. E não somente ela, claro, mas as tantas paralelas atreladas à ela. Como o cheiro.

A China não tem um cheiro específico, não cheira grama, não cheira mar. No inverno por conta dos ventos que nos trazem os odores, a China cheira a construção. E durante o decorrer do ano, toda minha memória olfativa me remete à comida.

E a partir destas memórias olfativas de comida, construo todo o resto ao redor. Monto e desmonto cenários com a facilidade das peças do Lego.

E toda minha sensação de superioridade se dilui dando lugar a uma admiração estupenda ao senhorzinho pela perspicásia sintética trissílaba classificatória.

Eu ao contrário, incapaz de igual síntese, faria uso de uma infinidade de fonemas, para no fundo dizer o mesmo em um ato monossilábico, saudades!


“Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou TV. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas próprias árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser. Que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver” ( Amir Klink)

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