Wednesday, November 7, 2007
Os ventos do norte não movem moinhos
Assumo os pecados
E os ventos do norte não movem moinhos
E o que me resta é só um gemido
Minha vida, meus mortos, meus caminhos tortos
Meu sangue latino
Minha alma cativa
Rompi tratados, trai os ritos
Quebrei a lança, lançei no espaço
Um grito, um desabafo
E o que me importa é não estar, vencido"
(Secos e Molhados)
Beijing, literalmente a capital do norte. A esta altura, e já enfrentamos o frio, e os ventos.
Uma ventania que leva e traz. Um ir e vir, que por vezes cessa.
Como uma viagem de metrô, levando e trazendo num eterno ir e vir.
E indo muito mais longe desde o dia 07 de outubro, com a inauguração da linha 5, a linha roxa.
Rompendo tratados, lançando-se no espaço, e já pouco importa se os ventos do norte não movem moinhos. Movem a cidade, numa velocidade assutadora, conectando muito mais do que apenas os pontos cardeais, promovendo a conurbação, essa mini versão da globalização.
A linha roxa é mesmo assim, 27,6 quilômetros quase sem fim. Tamanha a discrepância para com as linhas anteriores.
Possui, porta de vidro de segurança entre a plataforma e o trilho, monitores informando os minutos restantes para a chegada do próximo trem, música clássica ao fundo, e todos os funcionários com uniformes impecáveis e de luvas brancas desejando um bom dia.
Tudo resplandece, dos utilitários aos pedestres.
São mesmo os pedestres por quem me interesso, esses usuários vestidos de progresso que desfilam orgulhosos, admirando cada centímetro de novo trilho.
Fazendo jus a cada centavo do investimento de US$ 1,55 bilhão.
Se preocupam em fazer fila, na pose de espera, no bolso que vai a mão, em toda a ambientação.
Num melhor exemplo da influência do meio no ser.
Deixando automaticamente para trás, na primeira baldeação todo esse exemplo de civilização...
E lá se vão as filas, que se convertem num embate cultural corporal.
Resquícios antropológicos (sub)conscientes da teoria darwinista pela luta do mais forte.
Monta-se o ringue num contingente de 1 bilhão e 300 milhões de pessoas, e por mais que eu me irrite toda vez que participo involuntariamente destas manifestações de "vale-tudo" para entrar no vagão do trem, no elevador, no supermercado, ..., racionalmente mantenho o mantra zen da aceitação. Da consideração que esta luta que me afeta esporadicamente em situações medíocres, trata-se de uma constância, uma questão intríseca na existência de qualquer chinês. Que este empurra-empurra, em alguns casos já começa no ventre.
A luta pela sobrevivência por aqui é mesmo um espectro, se sobrepõe à sombra. Com consentimento ou sem quaquer tipo de sentimento, está lá o vulto da competição.
Volto ao metrô. Penso nas atuais 5 linhas, o contraste das épocas. As primeiras, construídas na décade de 60, ainda sob influência russa, o socialismo arquitêtonico-ideológico, o poder da doutrina. As atuais, concebidas no melhor estilo que o "um país, dois sistemas" pode oferecer, o poder do capital. As massas camponesas e as massas aristocráticas.
Volto ao metrô, e as massas, desta vez, as argamassas, as vigas.
E penso nas futuras 19 linhas(!) a serem (im)postas até 2020, sobrepostas em 561 quilômetros (!!). Superpostos, "super-posto" da então maior rede metroviária do mundo.
" E o que me resta é só um gemido".
Thursday, July 26, 2007
Propriedade Privada
Aqui na China, apesar de recentemente aprovada a *lei de propriedade privada, o direito sobre ser dono do próprio nariz é intríseco.
Cada cidadão já nasce com a importância do nariz posta, digamos assim.
O assunto é tão sério que independentemente da idade, a consciência existe.
Está presente, na identificação enquanto indivíduo, em exemplos didáticos e até na gramática!
Isso tudo, porque para os chineses ( aliás japoneses, coreanos, tailandeses, indonésios - mas não estou segura sobre os demais orientais), a identificação entre um ocidental e um oriental é feita pelo nariz!
Sim, sim, trata-se de um dos meus maiores choques culturais em terras pequinesas. Destas revelações bombásticas que nos custa acreditar, salvo as proporções de tempo e espaço, a sensação foi bem próxima quando me contaram sobre o Sr. Coelho, a época de páscoa, mesmo doce, não foi mais a mesma.
A quebra deste paradigma classificatório, deixando de considerar os olhinhos puxados e em seu lugar ponderar o tamanho do nariz, foi responsável pela descoberta de fatos curiosos. Como a façanha que eles ( os orientais, ok os de nariz pequeno e baixo) possuem em relação a nós, uma visão 360° graus. Já que o osso alto que dá forma ao nariz situa-se abaixo da linha de visão. O ponto negativo, alguns se tornam levemente vesgos por conta da falta do " meridiano", e a maioria enfrenta problemas para sustentar os óculos.
Vantagens e desvantagens à parte, o fato é que quando indagados sobre algo que lhes concernem, tratam de levar o dedo indicador até a ponta do nariz ( como na foto), seguido de uma explanação qualquer sobre a primeira pessoa. Assim como faríamos nós no ocidente, apontando na região do tórax e dizendo "eu".
O nariz curiosamente utilizado de forma pejorativa no Brasil, à aqueles perdidos ( "Não sabe nem aonde está o nariz") aqui na China, em oposição, está presente nos conceitos gramaticais para ajudar na localização geográfica do interceptor para com o interlocutor.
Por exemplo, em chinês, costuma utilizar dois caracteres ou fonemas para designar, algo ou alguma coisa. Existe a necessidade da complementação, o que em português soaria redundante. Em chinês é o correcto, e muitas vezes causa certa confusão na hora destas construções, neste momento, o nariz entra! Para orientar!
Vamos ver na prática como fica isso:
过 ( guo - ir ) 去 ( qu - ir ) 来 ( lai - vir)
*válido lembrar que não existe conjugação de verbo, ou seja ir pode se transformar também em fui
Para situações onde você vai em direção a algum lugar e está indeciso, sobre como utilizar estas combinações que parecem na verdade ser o mais do mesmo, basta considerar a posição do nariz do interceptor. Ou seja se você caminha em direção ao nariz de alguém, utiliza-se a combinação 过来 para a situação inversa 过去。
Por estas e por outras, e mesmo com as brechas que a lei da propriedade privada não assegura, os chineses tem maior facilidade em analisar aonde meter o nariz.
* Para maiores informações sobre a lei da propriedade privada, aprovada na China em março de 2007 após quase 14 anos de discussões, e colocada em vigor a partir de outubro do mesmo ano consulte:
http://www.estado.com.br/editorias/2007/03/17/int-1.93.9.20070317.1.1.xml
Wednesday, July 18, 2007
Frango Xadrez
Sumeba miyako
Literalmente: Em se morando, capital.
Sentido: Independente do lugar que se more, você virá a amá-lo.
(provérbio japones)
Dado talvez pelas minhas "cotidianices" itinerantes sempre a me levar a tantos e tão diferentes lugares , ou quiçá pelo ato de encapada estar - guarda-chuva , óculos escuro- e assim me afastar, o fato é que nesta manhã, houve diferente dispertar.
Deixo as estepes da Mongólia , cenário deste livro que devoro, passo por Beijing - o ponto de encontro onde tudo culminou- chegando até EUA.
A prosa iniciada pelo chinês ao meu lado, é motivada por sua curiosidade em relação ao idioma do meu livro. Explico que é português.
E a partir daí, deu-se o "big bang", a explosão das muitas partículas de vidas simples que se converteram em espécies multi-celulares.
Sua convicção pró-América do Norte é tamanha que me sinto instigada a vasculhar por sinais de nacionalismo chinês, orgulho da mãe pátria, ou saudades.
Encontro somente resquícios de saudades que ele revela ter. E saudades é algo que eu entendo bem!
Na expectativa de classificar ou no fundo me socializar com este alguém dotado de universo paralelo singular, reforço o que há tempos já havia registrado nos meus registros empíricos classificatórios. As saudades chinesas concentradas na comida. É tudo o que sempre computo. A comida!
Sigo até o escritório com sensação de certa superioridade, afinal minha saudade é deveras muito mais complexa e engloba zilhões de outros componentes que o senhorzinho sequer cogitou em mencionar, ou inclui-las em sua lista particular.
Saturday, June 30, 2007
Um país dois sistemas
( Salvador Pániker )
O exercício de me esquivar, à fuga das definições sobre o que é a China, e todo o complexo universo paralelo sobre este país de dos sistemas finalmente chega ao fim.
Decido enfrentar o desafio, e definir.
Classificando e rotulando tudo a partir do meu compêndio, e usufruidno meu melhor lado tirânico.
Me aproprio de uma foto, afinal uma imagem vale mais do que mil palavras. Misturo tudo, agito bem e voila!
Respeitável público a China é assim, assim mesmo, igualzinha a este híbrido de zebra e cavalo.
Admirada por uns, menosprezada por outros, podendo ser feia ou bonita, mas sem dúvida exótica. Gigante pela própria natureza, és forte impávido colosso. E sumariamente por reunir tais características, há sempre certa polêmica.
Continuo chovendo no molhado, e este ao meu ver trata-se de uma característica chinesa.
A do falar sem muito dizer, a do ser sem propriamente estar ( ou estar convicto de) , defender sem muito acreditar, interagir sem se comprometer. E para todos esses casos tudo é 差不多 ( cha bu duo ) , literalmente: parecido, aproximado, mais ou menos.
E esta palavra multi-uso, faz milagres nos diálogos de todas as esferas, das mais formais as mais singelas.
Uma das minhas preferidas ao lado de outras não menos em cima do muro como, 随便 ( sui bian - como você preferir, tanto faz), 无所谓 (wu sou wei- indiferente, tanto faz) 不清楚 ( bu qing chu- não estou bem certa).
E assim transitamos , eu e mais os bilhões de chineses entre os meandros do comportamento mais diplomático que todo bacharel em relações internacionais acredita dominar depois da doutrina a la Kissinger.
De tão diplomáticos, os chineses num piscar de olhos, realizam determinada metamorfose acoplando toda essa etiqueta em qualquer compartimento interno, e lançam-se mão do modelito esporte. São de uma praticidade!
E curiosos, ou simplesmente por considerar naturalmente normal dão início a uma série de perguntas inusitadas e por vezes super invasivas ( ao menos para nós ocidentais) capaz de desconcertar os mais desavisados. ( Comentam mesmo quem está ou não acima do peso, sobre sua pele, perguntam mesmo seu salário, seu aluguel, suas despesas em geral, e controlam seus horários e seus hábitos como qualquer Candinha da mais pacata cidade interiorana).
Numa lista infindável de comportamento "denorex" ( parece mas não é) , vão mesclando isso e aquilo, no micro no macro , e tudo ao mesmo tempo agora. E à mim, me resta a impressão da sutileza, da linha tênue entre o público e o privado. Do espaço onde termina minha liberdade e começa a dele, e cada qual munido com sua herança cultural.
E quão complexo se faz essa linha, sobretudo num país superpopuloso como o em questão, de cultura milenar que realizou seu processo de abertura ao mundo há pouco menos de 30 anos. Neste período transformou-se na quarta economia mundial, enfrentou crises dos tigres asiáticos, da SARS, reanexou sob seu controle político duas Regiões Administrativas Especiais (Macau e Hong Kong ) , alterou a ordem mundial geopolítica reintroduzindo a África ao cenário internacional, e não contente se prepara para ocupar o espaço de produtor de tecnologia de ponta deixando as cópias e as quinquilharias que invadiram o mundo, desvinculando-se do conceito pejorativo do made in China no passado.
Como definir se os "valores são cada vez mais relativos, móveis, provisórios, os sentidos de pertença quantas vezes contraditórios, vão originando um mundo descaracterizado" ....ou aqui caracterizado como " um país dois sistemas".