Sunday, November 2, 2008

Toquem! Toquem para sua Majestade o Imperador!

Minha avó ficaria orgulhosa ao saber que fui à igreja no domingo. Talvez ainda mais, se contasse que fui à Beitang (北堂), catedral que abriga o Cardinal de Beijing oficialmente abençoada pela Igreja Católica Patriótica da China!

Fui por conta de um destes convites adoráveis que volta e meia me surpreendem por aqui. Um "concerto barroco no palácio do Imperador chinês", parte de um Festival Cultural Belga.
Ah, estes belgas!

Caminhar em direção à Beitang, rodeada de árvores e muito espaço, me fez lembrar de todas as igrejinhas das cidades do interior do Brasil. Clássicas, dispostas sempre na pracinha central, rodeada de bancos , o coreto, em alguns casos a sorveteria. E o movimento migratório noturno dos jovens ao redor deste cenário num ritual pré acasalamento, sempre monitorado pelos de mais idade.

A Beitang não cheirava igreja, e mesmo sendo gótica não oprimia. Também não era claustrofóbica. Incluia e se apresentava, seja pelas faixas com os caracteres chineses lá na frente no altar, ou pelas capas de babado para lá de rococó que revestiam os ventiladores.

O concerto foi mesmo um espetáculo. Ainda mais belo, por conta da participação especial e espontânea de um garotinho chinês fofo, no auge dos seus ( suponho) 6 anos, que dançava todo gracioso e feliz no corredor das fileiras paralelas ao meu banco.
Sorria tão bonito que sorri e sorríamos também.

A premissa do concerto me vez embalar para o século XVIII.
Data que estes jesuítas marotos, carregavam bem mais do que a influência colonizadora cristã, detinham conhecimento nas mais diversas ciências e me pareciam bem mais interessantes.
Eram músicos, cientistas sociais, linguístas, historiadores, antropólogos, diplomatas,engenheiros, navegadores,..., e jesuítas.
Tenho verdadeiro fascínio da imponência de outrora, das nações pioneiras ultramar, das rotas e das tantas histórias que deviam se acumular durante estas longícuas viagens.

Sentei ali logo em frente ao cravo, ao violoncelo e a flauta de pele fina e alva, olhar suave e narizes de Tin Tin, num repertório que mesmo barroco me pareceu tão belga (mesmo sem eu nunca ter estado lá).
E logo a dúvida se o Imperador se divertia com estes concertos.
Tomada por suposições bastante hereges, vislumbrei o Imperador Kangxi ( que era o então no poder na época destes jesuítas) com seus trajes de seda amarelo, bigodinho escasso e comprido, comfortavelmente instalado em seus aposentos disfrutando do que de melhor poderia estar ao seu alcance na época. Músicos internacionais, concumbinas dançantes, chá , petiscos e ópio. Será que os jesuítas concediam o direito de tamanha esbórnia?

Seja como for, ou como era, estes jesuítas todos foram donos de uma vida fantástica.
E o fato de terem sido selecionados para este concerto está relacionado ao fato da recente descoberta de 12 sonatas inéditas na Biblioteca Nacional de Pequim.

O último ato foi mesmo o crème de la crème pela presença do coral.
A comunhão dos crentes e descrentes regidos pela sincronização das respirações que ecoam há séculos sonatas e cânticos.
E mesmo hoje diante dos muitos resquícios de Jean Joseph Marie Amiot, o jesuíta e tradutor oficial de línguas ocidentais do Imperador que tentava explicar por carta nos idos de 1750 à corte britânica sobre o fato de que "este mundo é o reverso do nosso", eu continuaria pedindo bis aos Allegros*.



*O termo Allegro designa um andamento escrito em tempo rápido alegre ou animado. No caso do Allegro Moderato, corresponde a um allegro em que a execução do referido andamento tem um tempo mais lento do que o habitual.

**Serviço de informações: as missas são celebradas em chinês por um paróco simpatisíssimo na Igreja de Beitang, localizada na rua 33 Xishiku Dajie Xi'anmen 西安门西什库大街33号 todos os domingos as 6:00, 7:00, 8:00 e 18:00 horas. Horário em dias de semana 6:00, 6:30 e 7:00.









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